Carta aberta de uma adolescente aos pais
- Mónica Dultra Carvalho
- 1 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de mar. de 2020
Pais,
Há algum tempo que me sinto diferente. Diferente do que era em criança, diferente do que fui ontem e do que serei amanhã. Sinto que o meu corpo muda a cada dia, comecei a engordar e a ter curvas que nem sempre me agradam. Mas não é só isso, é cá dentro também. No meu coração, na minha cabeça. Os pensamentos não me deixam e por vezes atraiçoam-me, dizem-me que devia ser diferente, que não sou suficiente e fazem-me duvidar de mim. Eu que sempre fui tão decidida! E os sentimentos…esses surgem a todos os momentos, mesmo quando não são chamados. Não me lembro de sentir tantas coisas diferentes e tão intensamente em criança. Ás vezes fico muito zangada com coisas tão pequenas mas que agora significam tanto para mim, ou tenho vontade de chorar quando me dizem algo menos bom sobre mim. Sinto-me mais sensível ao mundo que me rodeia e ás injustiças a que vou assistindo. E nem sempre é fácil para aceitar e saber como lidar com todas as mudanças que estão a acontecer. Ás vezes gostava de ter outro corpo, outra pele, sentir outras emoções. Ser mais alta, mais magra, mais corajosa, mais confiante, mais positiva. Há dias em que me sinto bem na minha pele e outros em que duvido de tudo. Acham que é possível sentir coisas tão diferentes?
Sei que ultimamente passo muito tempo com os meus amigos, é verdade. Eles são importantes para mim e ajudam-me a experimentar novas situações para que me possa encontrar neste meu caos. E eu já sei, pais, que vocês se preocupam comigo, mas estou a crescer, a tornar-me aos poucos numa mulher independente. E para isso preciso de aprender a lidar com todas as mudanças, preciso de experimentar diferentes situações e papeis para saber o que gosto, o que não gosto e quem quero ser. E sim, nem sempre vou fazer tudo bem e por favor compreendam isso, estou a tentar descobrir-me num mundo que procura moldes e às vezes é difícil encontrar um lugar onde sinta que pertenço e onde me sinta bem na minha pele. Por isso peço-vos que tentem aceitar-me com as minhas falhas e me ajudem a dar sentido a este caos interno muitas vezes sem nexo para vocês, mas com tanto significado para mim. Sei que nem sempre irão concordar com as minhas decisões ou com o caminho que for traçando, ainda assim gostava que me deixassem experimentar, ver, compreender e tomar as minhas decisões.
Quero ainda dizer-vos que apesar de parecer que estou mais longe de vocês, é agora que preciso mais do vosso colo para me darem conforto todas as vezes me desiludir ou me frustrar com todos os desafios que agora enfrento. Sinto-me cada dia mais mulher, mais crescida, mais autónoma, a precisar menos de vocês, ao mesmo tempo que ainda preciso tanto, da vossa protecção e dos vossos conselhos. Sei que o que peço é difícil, mas preciso que vocês se interessem pela minha vida e me orientem nas decisões que tomar, aconselhando e estando lá para me apoiar quando as coisas não correrem como eu tinha planeado, ao mesmo tempo que me treinam para ser mais autónoma e mais crítica perante o que vejo. E por fim, quero pedir-vos que me deixem sonhar que posso mudar o mundo com a minha vontade, talvez me desiluda e magoe ou talvez mude mesmo alguma coisa, mas por agora deixem me sonhar e descobrir o meu lugar no mundo.
Texto escrito para o livro "Adolescência, Os Anos da Mudança" de Rita Castanheira Alves (Psicóloga dos Miúdos)
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